"Oh que uma porção dobrada
do seu Espírito desça sobre todas nossas sonolentas e adormecidas igrejas por
toda cristandade!". Este era o desejo fervoroso de Alexander Duff, um
grande missionário presbiteriano que foi colega de Anthony Norris Groves
durante seu serviço missionário na Índia.
Nascido em 1795, e tendo
estudado Medicina e Odontologia em Londres, Groves tornou-se o primeiro
missionário enviado pelo recente movimento dos Irmãos. Sua influência
contribuiu para a criação de grupos como Christian Missions in Many Lands
(“Missões Cristãs em Muitos Países”), Missionary Service Committee (“Comitê
do Serviço Missionário”), International Teams (“Grupo Internacional”) e outros.
Seus escritos e seu exemplo motivaram grandemente James Hudson Taylor e
outros missionários do século 19.
A senhorita Bessie Paget, a
quem ele se referia como “minha mãe nas coisas de Deus”, ajudou-o a confiar
em Deus para a salvação. Por 10 anos, sua esposa Mary foi contra seu desejo
missionário. Mas por meio da doença, e pela distribuição do dízimo da família
ao povo pobre, Deus confirmou a ela que a família iria para além-mar.
Groves foi um verdadeiro
instrumento nos estágios iniciais do movimento dos Irmãos e manteve íntimo
contato com esses amigos até a sua morte.
MISSIONÁRIO PIONEIRO
Em 1829, a família viajou por
terra, quase seis meses, de Londres a Bagdá. Groves inaugurou uma escola,
estudou árabe e praticou medicina. Mas uma peste assoladora tirou a vida de
sua esposa, de sua filhinha e quase causou sua morte também.
Sozinho, com três crianças
pequenas em uma cidade hostil, Groves escreveu: “o Senhor tem nos mostrado
hoje que o ataque repentino de minha querida esposa é peste. Penso que a
infecção só pode ter vindo por mim. É um momento terrível a perspectiva de ir
deixando a pequena família em tal país, nestas condições. Mas triunfa a fé
que tem minha querida esposa. Hoje ela me falou: ‘a diferença entre um filho
de Deus e um mundano não está na morte, mas na esperança. Enquanto aquele tem
Jesus, este está sem esperança e sem Deus no mundo’”. Pouco tempo depois,
Mary Groves foi para a presença de Jesus.
Mesmo enquanto lamentava a
morte de Mary, Groves continuava a falar de Cristo e pouco tempo depois disso
sentiu o chamado para a Índia.
Durante muitos anos na Índia,
onde se sustentou como dentista, Groves ensinou líderes de igrejas sobre a
volta de Cristo, trabalhou pela unificação de todo povo cristão e recomendou
que os missionários vivessem modestamente, ao nível do povo nativo. Nestes
assuntos, ele foi um homem à frente de sua época. Como resultado da
influência de Groves, centenas de congregações locais foram iniciadas por
evangelistas da Índia e missionários europeus.
Em maio de 1853, aos 58 anos de
idade, Groves morreu em Bristol, na casa de George Müller, seu cunhado. Ele
estava desesperadamente doente e com uma dor torturante, vinda do adiantado
câncer estomacal dos seus últimos dias, mas as pessoas diziam que seu quarto
era como um pequeno céu. As últimas palavras, na terra, desse estudante
literário, dentista, cirurgião prático e missionário foram: “Precioso
Jesus!”.
Jesus havia preenchido a vida
de Groves. Seu filho Henry escreveu que a principal característica da vida de
seu pai era a de um espírito generoso, de “devoção a Deus, que sua vida
igualmente ilustrou”.
DEVOÇÃO E FÉ
Groves teve o desejo de cumprir
toda vontade de Deus logo que ela lhe foi revelada. Ele praticou a abnegação
bíblica, levando a cruz, abandonando tudo e seguindo o Senhor. Em 1829, ele
argumentou sobre isso no opúsculo Christian Devotedness (Devoção Cristã). Seu
tema era: trabalhar duro, gastar pouco, dar muito e tudo para Cristo. Muitos
o rejeitaram por estas opiniões radicais, mas outros Irmãos compreenderam o
seu espírito e usaram suas riquezas para o crescimento do reino de Deus.
Groves estava convencido de que
Deus sustentaria todos aqueles que confiassem nEle. Tornou-se bastante
conhecido que ele confiaria somente em Deus para sua viagem a Bagdá. As
pessoas em Londres conversavam sobre sua fé. Groves esperava que pelo modo
como as pessoas tinham contato com o seu trabalho, elas seriam estimuladas a
dar mais para o serviço missionário. Por outro lado, ele ocasionalmente
partilhava com amigos suas necessidades práticas. Por exemplo, ele escreveu a
um amigo assim: “descobri que não tenho dinheiro suficiente para uma viagem
planejada, então ficaria agradecido ao amigo por uma doação financeira”.
Perto do fim de sua vida, ele insistiu com os cristãos ingleses para
sustentarem financeiramente o trabalho na Índia.
A UNIDADE É CRUCIAL
O maior interesse de Groves era
a experiência e a prática dos cristãos unidos em Cristo. Ele sentia que os
princípios originais dos Irmãos deveriam ajudá-los a apreciar a união e a
comunhão entre todos que possuem a vida comum da família de Deus.
Quando questionado se há
princípios que possam unir crentes em adoração, mesmo quando eles têm
diferentes opiniões a respeito de algumas coisas, ele respondia: “sim,
existem. Fomos chamados a não saber nada entre nossos companheiros cristãos,
a não ser dois fatos: eles pertencem a Cristo? Cristo os recebeu? Então nós
podemos recebê-los, para a glória de Deus”.
Ele escreveu que “só existe um
caminho de união: este de irmãos e irmãs com o seu Senhor e Pai, permanecendo
juntos em comunhão pelo Espírito. Quando esses grandes princípios são
aceitos, todas outras coisas – tal como sistema de regras de igreja – estão,
acredito, totalmente subordinados”.
Em 1834, ele escreveu uma carta
profética a seu amigo J. N. Darby, avisando-o de que os princípios
exclusivistas que Darby pregava levariam os Irmãos a amargas divisões. A
respeito de sua própria posição, ele esclarece que “alguns não desejam que eu
tenha comunhão com os escoceses, a meu ver, porque a opinião deles sobre a
Ceia do Senhor não é satisfatória; outros, com você, por causa da suas
opiniões sobre batismo [Darby batizava bebês]; outros, com a igreja da
Inglaterra, por causa da ideia deles sobre ministério. Pelos meus princípios,
eu recebo todos eles”.
Ele acreditava que “nós
precisamos de poder para manifestar nossa força espiritual pela nossa habilidade
em suportar as fraquezas dos outros, ao invés de ser pela nossa perícia em
descobrir faltas e falhas, tanto em pessoas como em sistemas”. E de Bagdá
escreveu: “eu preferiria ter o Amor que pode amar em meio a mil defeitos, ao
o zelo que suporta apenas um”.
Groves frequentemente reunia-se
em adoração com congregações que não seguiam suas opiniões sobre a igreja.
Ele defendia isto declarando: “muita vezes louvo a Deus por permitir-me
sentir que pertenço a todos que pertencem a Ele. Não tenho uma chamada que me
obriga a separar-me de alguma casa de fé [igreja local], por causa dos males
que possam existir entre aqueles nos quais o Senhor habita e caminha. Nem
tenho eu qualquer proibição contra fazer parte de qualquer uma das coisas,
onde minha própria alma é edificada. Eu nunca me senti separado de um por
estar unido a outro”.
ORDEM DA IGREJA
Ao mesmo tempo, Groves mantinha
fortes opiniões sobre a igreja. “Por mim mesmo”, ele escreveu, “não quero
permanentemente me unir à igreja que não tenha alguma regra constituída.
Tenho visto o suficiente deste esquema – cada um faz o que é certo a seus
próprios olhos, dizendo que foi ordem do Espírito – para estar certo de que
isto é uma ilusão”.
Apesar de ter apoiado anciãos
na igreja, Groves rejeitou até o fim a posição de clérigos ordenados dentro
dela. Ele sustentou que a coisa importante é manter as suas "relações de
corpo entre si, e não negar seu Cabeça e Pai comum, nem impedir o poder do
Espírito".
Em seguida acrescentou: “eu
aprovo e valorizo grandemente um ministério fixo. Mas sempre protestarei
contra o exclusivo; em especial contra aquela liberdade hipócrita, que em
palavras admite liberdade, mas na realidade a nega”. Neste conciso
depoimento. Groves propôs à igreja o uso de um professor ou professores aprovados,
contanto que esta pessoa, ou pessoas, não tentasse comandar. Ele também
criticou as “reuniões abertas”, que eram dominadas pela autonomeação de
anciãos ou líderes.
Ele estava convencido de que a
igreja local é tão competente agora para saber quem o Espírito Santo tem
qualificado para ser um ministro da Palavra, como foi o nos dias dos
apóstolos. Eles podiam saber quem o Espírito havia qualificado, acreditava
ele, pela confrontação da palavra falada com a Palavra escrita e pela
edificação que experimentavam em suas almas. Ele cria que “um ministério
declarado e reconhecido é essencial à conveniência e à ordem espiritual da
igreja”.
A PRIORIDADE DA GRAÇA
Groves preocupou-se quando
percebeu que, entre os Irmãos ingleses, a base original de união fraternal na
verdade de Jesus havia sido mudada para um testemunho unido contra todos que
se diferenciavam deles. Ele estava convencido de que a vida em Jesus Cristo,
e não a luz sobre detalhes doutrinários, uniria os crentes. Três anos antes
de sua morte escreveu: “sinto que o Senhor abençoará toda a grandeza que é
como o Seu próprio coração, mas a estreiteza sectária, que é a glória de
muitos, Ele aborrece”.
Com respeito a pessoas que
escreviam autoritariamente sobre assuntos não definidos claramente na Bíblia
[especificamente, pontos delicados relacionados à humanidade de Cristo],
Groves exclamou: “Realmente, homens parecem loucos intrometendo-se naquilo
que não é revelado. Visto que eles são mais sábios do que aquilo que está
escrito [nas Escrituras], não admiro se Senhor permitir que lutem e discutam
uns com os outros”.
Outra vez, sobre o campo
missionário, ele escreveu: “na Índia não há portas fechadas ao testemunho de
Jesus. Mas eu acredito que sempre as haverá para as opiniões fantásticas ou
exclusivas do homem e para pontos abstratos da doutrina, quer relacionadas à
profecia, quer relacionadas à constituição da igreja. Nesses dois assuntos,
eu acredito que muitos têm perdido o rumo e a mente do Senhor. Creio que nós
nunca nos diferenciaremos do conceito geral universal [amplamente aceito] da
unidade em Cristo, nos quais nossa felicidade e utilidade têm se mantido
associadas por tantos anos”.
Quando estava doente, e a morte
apareceu por perto, Groves instruiu os obreiros cristãos indianos a “não
colocarem muita ênfase sobre meras questões de batismo, sobre a volta do
Senhor, ou sobre o ministério não remunerado. Eles todos têm seu lugar. Mas o
assunto principal é Cristo e Sua crucificação – a graça, a plenitude e a
liberdade do evangelho”.
Muitos escritores e historiadores
do século 19 consideraram Anthony Norris Groves como o real fundador do
movimento dos Irmãos. E. W. Blair Neatby julgou que “a simplicidade da sua
fé, a profundidade de sua humildade, a energia e a pureza de seu zelo, o
fervor e a extensão de sua bondade, têm sido raramente igualadas na Igreja de
Deus”.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário